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Política

Cigarros eletrônicos: regulamentação divide indústria, entidades de saúde e senadores

O assunto coloca em lados opostos a indústria do tabaco e entidades de saúde

Publicada em 05/09/24 às 22:49h - 36 visualizações

Gustavo Varela/Assú Todo Dia


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Cigarros eletrônicos: regulamentação divide indústria, entidades de saúde e senadores
Essa divisão também existe entre os senadores, embora todos concordem que é necessário proteger os jovens  (Foto: Reprodução)

Está prestes a ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) um projeto de lei que regulamenta o consumo e o comércio de cigarros eletrônicos (PL 5.008/2023). Também chamados de vapes, atualmente esses produtos são vendidos ilegalmente no país. A proposta é cercada de controvérsias: uma das preocupações é o consumo precoce dos jovens, principais usuários do produto. Segundo a pesquisa Covitel 2023, pelo menos 4 milhões de brasileiros já utilizaram o dispositivo.

O assunto coloca em lados opostos a indústria do tabaco e entidades de saúde. Essa divisão também existe entre os senadores, embora todos concordem que é necessário proteger os jovens.

Para a autora do projeto, Soraya Thronicke (Podemos-MS), a regulamentação permitirá um melhor controle do comércio, inclusive com o combate às vendas ilegais, e viabilizará uma melhor proteção dos potenciais consumidores — especialmente crianças e adolescentes. O senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator da matéria, tem a mesma opinião. Eles também avaliam que, na prática, a proibição hoje vigente é ineficaz.

As pessoas vão continuar usando e comprando, e por isso é preciso haver uma regulamentação adequada”, argumenta Dr. Hiran (PP-PR). A iniciativa conta com o apoio da indústria do tabaco; seus representantes afirmam que as novas regras vão gerar mais empregos e mais arrecadação por parte do governo.

Para os que são contra a regulamentação, como Zenaide Maia (PSD-RN) e Eduardo Girão (Novo-CE), a liberação do produto é um risco à saúde pública e levará a um consumo ainda maior entre os jovens. Isso poderia ampliar o número de casos de câncer e, como consequência, os gastos do Sistema Único de Saúde - SUS. Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) lembra que tanto a Anvisa quanto associações médicas em vários países se opõem ao uso de cigarros eletrônicos. Já Humberto Costa (PT-PE) avalia que “esses produtos podem provocar danos muito mais rápida e intensamente do que o cigarro tradicional”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou claramente contra os vapes; seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que esses dispositivos são vendidos para os jovens “para torná-los dependentes da nicotina”.

O projeto

O cigarro eletrônico é conhecido por nomes como vape, pod, e-cigarettes e tabaco aquecido, entre outros — no jargão oficial, ele é chamado de Dispositivo Eletrônico para Fumar. Esses produtos são vendidos em diversos sabores, e podem ser descartáveis ou não. Mas a venda é ilegal no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a comercialização, a fabricação e a propaganda desses itens. Essa proibição, no entanto, não se estende ao consumo. 

O PL 5.008/2023, de autoria da senadora Soraya Thronicke, autoriza o consumo, a produção, a comercialização, a exportação e a importação dos dispositivos. E também trata do controle, da fiscalização e da propaganda dos cigarros eletrônicos.

O texto proíbe a venda ou o fornecimento para menores de 18 anos e prevê que quem desobedecer, essa regra estará sujeito a multa de R$ 20 mil a R$ 10 milhões, além de detenção de dois a quatro anos.

O projeto também determina que os vapes deverão ter registro junto à Anvisa, à Receita Federal, ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e, no caso daqueles que dispuserem de tecnologias que permitam comunicabilidade, também junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Outra exigência é a apresentação de laudo de avaliação toxicológica à Anvisa.

Além disso, o texto contém regras parecidas com as do cigarro convencional, como a proibição do consumo em locais fechados e também de sua propaganda (a não ser no próprio ponto de venda ou em comércio eletrônico com controle de maioridade).

Atualmente, o projeto está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde seu relator é o senador Eduardo Gomes.

A favor da regulamentação

Para Soraya Thronicke, a regulamentação é necessária para viabilizar o controle da produção, do comércio e da propaganda do cigarro eletrônico. E também para evitar que esses produtos sejam oferecidos a crianças e adolescentes. Hoje, ressalta ela, qualquer pessoa pode comprar o dispositivo por meio do comércio informal (como os camelôs) ou pela internet.

Eduardo Gomes, que apresentou relatório favorável à proposta, apresenta argumentos semelhantes aos de Soraya.

A demanda pelos cigarros eletrônicos é crescente, o que indica que o consumidor não tem dificuldade para encontrar o produto. Logo, a proibição da Anvisa é ineficaz em coibir o consumo. A regulamentação do mercado se faz ainda mais necessária para proteger o consumidor de produtos adulterados e para permitir legalizar a fabricação e a importação”, diz ele.

Outro senador que defende o projeto é Dr. Hiran (PP-RR), que é médico. Ele ressaltou que “as pessoas vão continuar usando e continuar comprando, e por isso é preciso haver uma regulamentação adequada”.

— O que a gente tem de fazer é minimizar os riscos: dizer que faz mal; fazer uma propaganda eficiente [de conscientização], como é a propaganda contra o tabaco no país. Nós temos de realmente taxar com muita veemência. Temos de direcionar tudo que for arrecadado em termos de tributos para o Sistema Único de Saúde [SUS], que está sobrecarregado com doenças causadas pelo uso da nicotina — declarou Hiran em audiência pública realizada em maio.

Segundo Eduardo Gomes, outros benefícios da iniciativa seriam a geração de empregos e o aumento da receita tributária. Em seu relatório, ele cita estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais - Fiemg, segundo o qual há uma demanda potencial por cigarros eletrônicos de R$ 7,5 bilhões por ano, que, se concretizada, poderia levar à criação de até 114 mil novos postos de trabalho (formais e informais).

O estudo da Fiemg também indica que a regulamentação levaria a um aumento de R$ 673 milhões por ano na arrecadação do governo. Os setores que mais contribuiriam para isso seriam o de fabricação de produtos de fumo (R$ 135,9 milhões) e o da agricultura (R$ 113,24 milhões).

Outra entidade que apoia a iniciativa é a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), que em 20 de agosto divulgou uma nota em defesa do projeto. A Abifumo enfatiza que “a proibição dos cigarros eletrônicos já se mostrou ineficiente” e “a regulamentação é realidade em mais de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Suécia e Nova Zelândia”.

Os países desenvolvidos encontraram maneiras de restringir os produtos a adultos fumantes como alternativas de menor risco, como cientificamente comprovado. (...) Somente o avanço deste tema no Congresso poderá estabelecer parâmetros de composição, restrições a embalagens e sabores apelativos, controle dos pontos de vendas, entre diversos outros aspectos que hoje são amplamente ignorados pela clandestinidade”, diz o documento.

Contra a regulamentação

Os senadores contrários ao projeto também apresentam uma série de argumentos. Um dos principais é a atração que os cigarros eletrônicos exercem sobre os jovens, iniciando-os no tabagismo — o que pode aumentar ainda mais o número dos casos de câncer de pulmão.

Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) já apontava em 2019 que “a maior prevalência de uso atual de DEF [Dispositivo Eletrônico para Fumar] foi observada na faixa etária de 15 a 24 anos (2,38%), perfazendo 70% dos consumidores atuais de DEF”.

De acordo com a pesquisa, “o uso entre adultos maiores de 24 anos foi inferior a 1%, o que mostra que o produto não é usado nem como medida de cessação, nem como medida para redução de riscos, mas sim como produto destinado ao consumo por jovens”.

— É uma tolice sem tamanho dizer que, se regulamentar, vai controlar. Se hoje, mesmo com a proibição da Anvisa, já não há controle, imaginem se a lei disser que pode. Aí, sim, nós vamos ter o caos. Vamos ter mais jovens morrendo de câncer. Em nenhuma hipótese nós podemos aprovar isso — criticou Oriovisto Guimarães durante audiência pública realizada no dia 20 de agosto.

O senador Eduardo Girão tem opinião semelhante. Para ele, “legalizar os cigarros eletrônicos na esperança de que iremos diminuir o comércio paralelo é uma falácia. Temos de seguir as normativas da Anvisa, que se manifestou pela manutenção da proibição [em abril deste ano]”. Além disso, ele defende mais fiscalização e um maior controle das fronteiras, dos locais de venda e das redes sociais.

Girão é autor de um projeto de lei que proíbe a fabricação, a importação, a comercialização e a publicidade de cigarros eletrônicos: o PL 4.356/2023. Essa matéria está em análise na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Também contrário à regulamentação, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) apresentou um projeto de lei — o PL 6.161/2023 — que tipifica como crime o ato de vender ou oferecer cigarros eletrônicos a crianças ou adolescentes, com pena de reclusão de dois a seis anos e multa. Para implementar essa tipificação, a proposta prevê alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente. O texto está em análise na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

A senadora Zenaide Maia, que também é medica, ressalta que a proposta de regulamentação desconsidera os custos do SUS com o tratamento das doenças provocadas pela dependência aos diversos tipos de tabaco. Um estudo da Fundação do Câncer divulgado neste ano indica que o tabagismo responde por cerca de 80% das mortes por câncer de pulmão no Brasil.

Segundo outro levantamento, realizado pelo Insper e pela AstraZeneca, o país teria gasto em 2019 um total de R$ 1,3 bilhão com os tratamentos de câncer de pulmão. Esse levantamento também alerta para a redução da produtividade econômica causada por mortalidade precoce e absenteísmo, já que o câncer de pulmão afeta muitas pessoas que ainda estão no mercado de trabalho.

O senador Oriovisto Guimarães lembrou que a oposição à venda de cigarros eletrônicos não vem apenas da Anvisa. Ele citou o caso da Bélgica, que inicialmente liberou o consumo, mas que agora adota outra postura: o governo desse país informou em março que a venda dos vapes descartáveis será proibida a partir de 2025.

Em carta enviada ao Senado em junho, quatro entidades ligadas à saúde pediram a rejeição do PL 5.008/2023: a ACT Promoção da Saúde, a Associação Médica Brasileira (AMB), a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

O tabagismo causa 175 mil mortes ao ano no Brasil. Estudo do Instituto de Efectividad Clínica y Sanitária aponta que isso custa aos cofres públicos brasileiros mais de R$ 112,2 bilhões em decorrência de custos diretos com o tratamento de doenças associadas ao ato de fumar e custos indiretos com perda de produtividade e aposentadorias precoces. A arrecadação decorrente de impostos federais com a venda de cigarros é de R$ 8 bilhões. É uma conta que não fecha e jamais fechará com a eventual liberação dos DEFs [dispositivos eletrônicos para fumar], muito pelo contrário”, diz a nota.

Consumo precoce

Tanto os senadores que apoiam a regulamentação do cigarro eletrônico — e a consequente liberação do seu consumo — quanto os que são contra a proposta reiteram sua preocupação com o consumo precoce do tabaco. E entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam para o risco de que os vapes induzam os jovens a se iniciar no tabagismo cada vez mais cedo.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que “os cigarros eletrônicos são comercializados para pessoas muito jovens para torná-los dependentes da nicotina”.

Etelvino Trindade, vice-presidente da região Centro-Oeste da Associação Médica Brasileira (AMB), também alerta para os riscos desse consumo. Segundo ele, “substâncias são adicionadas ao cigarro eletrônico para levar à dependência química, da mesma forma como ocorre com o cigarro tradicional”.

Conforme já citado, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) indicou que, em 2019, a maior prevalência de uso de DEF [Dispositivo Eletrônico para Fumar] no Brasil foi registrada na faixa etária de 15 a 24 anos, “perfazendo 70% dos consumidores atuais de DEF”.

Para Mônica Andreis, diretora-presidente da ACT Promoção de Saúde, “quem está de fato consumindo [os cigarros eletrônicos] são jovens, muitas vezes menores de idade e na maior parte das vezes não fumantes [de cigarros tradicionais]”.

— Eles estão iniciando o consumo [de tabaco] com esses produtos. E muitos deles já estão desenvolvendo problemas de saúde graves em um tempo muito curto — alerta. 

A ACT Promoção de Saúde é uma organização não governamental que atua com a promoção e a defesa de políticas de saúde pública.

A estudante Anna Clara de Oliveira é usuária dos cigarros eletrônicos há quatro anos. Hoje, aos 21, ela diz que sua saúde foi extremamente prejudicada pelo uso dos dispositivos. Anna Clara conta, por exemplo, que tem dificuldades para realizar exercícios físicos.

— Exercícios fáceis como subir uma escada ou andar por alguns minutos me deixam com falta de ar.

A especialista em fisioterapia cardiorrespiratória Fernanda Maia enfatiza que ainda não se conhecem os efeitos do uso precoce dos cigarros eletrônicos à medida que o corpo envelhece.

— Temos o receio sobre como esses jovens [consumidores dos vapes] estarão no longo prazo. Teoricamente, os jovens têm uma reserva pulmonar maior e, muitas vezes, os sintomas têm uma consequência em menor proporção. Mas, à medida que forem envelhecendo, a tendência fisiológica é que a atuação dessas substâncias tenha um impacto muito maior.

Fernanda Maia também contesta a ideia de que esses dispositivos auxiliem na redução do uso do cigarro tradicional.

— Existe uma tendência ao uso duplo: em vez de ocorrer uma diminuição na utilização [do cigarro tradicional], ocorre a dupla utilização [dos dois tipos de cigarro: o tradicional e o eletrônico] — explica a fisioterapeuta.

Campanhas de conscientização

A necessidade de esclarecimentos sobre os riscos dos cigarros eletrônicos — especialmente para os jovens — é outro ponto de concordância entre os que defendem a regulamentação, como Dr. Hiran, e aqueles que são contra a iniciativa, como Humberto Costa (ambos são médicos).

Já existem campanhas de conscientização sobre o tabagismo. Uma delas foi instituída pela Lei 7.488, de 1986: o Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado anualmente em 29 de agosto.

Essa lei determina que o Poder Executivo, por meio do Ministério da Saúde, promoverá nesse período “uma campanha de âmbito nacional visando alertar a população para os malefícios advindos com o uso do fumo”.

Em 2024, a campanha do Dia Nacional de Combate ao Fumo tem o seguinte tema: “Tabagismo: os danos para a gestante e para o bebê”.

Em 1987, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado no dia 31 de maio. Na campanha deste ano, a OMS deu ênfase aos riscos do consumo de cigarros eletrônicos pelos jovens. E a entidade faz um alerta: atualmente, cerca de 37 milhões de jovens entre 13 e 15 anos consomem alguma forma de tabaco.

Fonte: Agência Senado




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